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‘Era homem de verdade’: oficial é condenado por homofobia na PM de Mato Grosso do Sul

Outros militares envolvidos no caso foram absolvidos em outras denúncias

Renata Portela

'Era homem de verdade': oficial é condenado por homofobia na PM de Mato Grosso do Sul

Imagem ilustrativa – Foto: Henrique Arakaki/Arquivo Midiamax

Na última semana, tenente-coronel da PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) foi condenado pelo crime de homofobia cometido contra outro oficial. Ele chegou a tentar recorrer da decisão, mas teve a sentença mantida. O oficial foi condenado a 1 ano e 4 meses de prisão em regime aberto.

Conforme a decisão dos desembargadores da 1ª Câmara Criminal, o crime em questão aconteceu em fevereiro de 2020. Na ocasião, o tenente-coronel teria injuriado o militar, “ofendendo-lhe a dignidade e o decoro com motivação homofóbica”.

Isso teria acontecido durante uma reunião entre militares na Academia da PM. Enquanto os policiais conversavam, o tenente-coronel teria feito comentários sobre o cabelo da vítima.

Tais comentários foram feitos como ofensas homofóbicas e o caso foi levado até a Corregedoria. Apesar disso, na PMMS o caso teria sido arquivado.

Já após a denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), houve condenação do oficial em questão. Outro militar também acusado de homofobia contra o mesmo oficial foi absolvido em primeira instância e teve a absolvição mantida após recurso.

Enquanto isso, responsáveis pelos inquéritos na Corregedoria respondiam por prevaricação, mas também foram absolvidos.

Condenado por homofobia

O tenente-coronel chegou a alegar na apelação que nunca fez brincadeiras com a vítima. Já o militar ofendido relatou em todos os depoimentos que sofreu sim o preconceito homofóbico em tom de ‘brincadeira’.

Além disso, sofreu vários tipos de agressões relacionados ao preconceito homofóbico. Para o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o entendimento é que houve sim crime.

Sobre os fatos e a forma como testemunhas acabaram levando o caso apenas como uma brincadeira, a desembargadora relatora afirma “Entendo, por isso, que o histórico retratado nos presentes autos permite, a meu sentir, a conclusão de que a nossa cultura ainda possui a feição de uma sociedade patriarcal, marcada por diversas diferenciações machistas, misóginas e homofóbicas, o que também se reflete nas instituições estatais, culminando com a ocorrência de situações como a dos autos, as quais devem ser combatidas e penalizadas”.

Ainda na decisão, ela cita “Abro parêntese, aliás, para consignar que, embora o ambiente militar possua uma atmosfera própria e com uma rígida liturgia comportamental, tal fato, por si, não justifica, legitima ou permite que agentes de patente superior invoquem o seu posto para descumprir princípios consagrados pela Constituição Federal, tal qual a dignidade da pessoa humana, aos quais absolutamente todos estamos subordinado”.

Em decisão unânime, foi fixada pena de 1 ano e quatro meses de reclusão ao militar, em regime aberto.

Absolvições e relato de corporativismo

Em julho de 2022, tenente-coronel acusado de incitar preconceito e discriminação em razão de orientação sexual acabou absolvido. Ele chegou a prender ilegalmente o oficial durante uma reunião e, verificada ilegalidade, o fato que teria ‘justificado’ a prisão foi arquivado pelo MPMS.

De acordo com denúncia feita pelo MPMS, em junho de 2021 o tenente-coronel teria incitado discriminação e preconceito por meio de áudio e foto em um grupo de WhatsApp. O áudio, encaminhado de pessoa não identificada, retrata o momento de ‘caça’ a Lázaro Barbosa, que matou quatro pessoas em uma chácara no Distrito Federal.

Já em julho de 2021, o mesmo tenente-coronel mandou prender o capitão já alvo de homofobia dentro da corporação, “em desconformidade com as hipóteses legais”. “O réu deu voz de prisão ao capitão no crime de recusa de obediência.

No entanto, este último em momento algum teria recusado cumprir ordem relacionada ao serviço, tendo sido preso porque teria se retirado da sala no meio da conversa com o réu, sem autorização”.

Apesar dos relatos, a defesa do capitão chegou a citar na época que ele sequer teria se levantado da cadeira. O tenente-coronel mesmo assim foi absolvido nos dois crimes em que foi imputado porque o Conselho Especial de Justiça Militar julgou a pretensão punitiva improcedente, por não constituir o fato infração penal.

Homofobia em grupo de WhatsApp

Trecho do processo – Reprodução

O áudio repassado pelo oficial em um grupo de WhatsApp composto por policiais militares retrata o ‘policial raiz’, que conseguiria prender Lázaro. “Tenho saudade dos polícia da minha época lá na minha cidade os polícia é Tonhão e Zézão, é Severino, cara raiz”.

“Aí tem óculos escuro, é distintivo, é galãozinho pra beber água, é cinto não sei o que operacional, é cheio de viadagem”, diz o áudio. Mesmo assim, para o Conselho da Auditoria Militar, o fato de o réu ter sustentado que “se tratou de uma brincadeira e que o áudio representava uma dualidade entre policial antigo e policial moderno” não comprovou crime de homofobia.

“Não há elementos que comprovem a efetiva intenção do acusado em incitar ou induzir à prática de homofobia”, diz a sentença. O tenente-coronel também foi absolvido do abuso de autoridade diante da prisão irregular contra o capitão.

Capitão chegou a ser preso

Em julho de 2021, o então capitão e hoje major da PMMS, chegou a ser preso ao denunciar o caso de homofobia dentro da instituição.

A prisão ocorreu durante uma reunião em que mais dois militares foram convidados a participar, sendo que a vítima havia afirmado que não falaria de nada que fosse além do trabalho.

A princípio, a prisão teria ocorrido pelo fato de o militar desobedecer ordem de superior, sendo detido em flagrante por insubordinação.

No entanto, na época a defesa alegou que o oficial não deu as costas ao superior, sem ter sequer levantado da cadeira quando recebeu voz de prisão.

O militar havia feito uma denúncia contra seu superior pelo crime de homofobia, e mesmo com o caso em segredo, havia boatos na seção onde o militar trabalhava sobre a denúncia, o que teria provocado a reunião com o coronel.

Em uma das situações em que já havia denunciado outros dois militares à Corregedoria, o oficial teria ouvido que “tinha Aids” por ser homossexual e, na segunda situação, teria sido alvo de “brincadeiras” em razão de seu corte de cabelo, de forma preconceituosa, conforme denunciou.